Em meio a várias manifestações sobre o fato lamentável ocorrido no Peru no jogo que envolveu Cruzeiro e Real Garcilaso, que culminaram na manifestação racista de sua torcida, uma voz destoa na multidão. O ex-jogador de futebol Deco afirmou ao Estadão ter dúvidas sobre a intenção das ofensas a Tinga.
Em entrevista ao "Estado de São Paulo", o ex-jogador afirmou: "É claro que toda manifestação racista deve ser punida e reclamada. Isso não se discute. Mas tenho dúvidas se foi isso mesmo que o torcedor peruano tentou fazer. Acredito mais que a intenção era fazer com que Tinga perdesse a concentração no jogo do Cruzeiro."
Mais do que um contraponto a discussão, Deco revela o pensamento de muitos sobre o ocorrido. Ele parte do princípio de que no Cruzeiro havia mais jogadores negros, como por exemplo, Dedé e Julio Batista e que os insultos só eram dirigidos ao atleta Tinga. Ao pensar assim, ele descaracteriza o fato, tratando-o somente como uma tentativa de desestabilizar o adversário.
Ora, quando se disputa uma partida de futebol, o principal objetivo de um time é derrotar o outro. Para isso, ele precisa se mostrar superior ao seu adversário. Nem sempre ele consegue isso tecnicamente, então ele usa de outras formas variadas, como a transformação do jogo em uma guerra, ou cortar a luz e a água do adversário, jogar em um campo onde a torcida seja próxima ao time adversário. Todas elas são formas de se impor ao adversário, desestabilizá-lo emocionalmente, se mostrar superior!
A mecânica do racismo, da intolerância e da discriminação é exatamente igual... A tentativa de desestabilizar um grupo com as mesmas características, colocando-os em uma condição de inferioridade para se impor perante esse grupo e poder justificar os seus atos perante aos seus semelhantes. Assim surgiram vários movimentos discriminatórios e racistas como o nazismo, o apartheid.
O que aconteceu no Peru foi exatamente isso. Na tentativa de se colocar como superiores ao grupo que estavam enfrentando, e com isso justificar tudo o que tinha sido feito até então para quebrar a estabilidade do time do Cruzeiro, a torcida optou pela manifestação racista. O fato de tê-lo feito somente com um jogador não significa nada. Da mesma forma é feito na Europa, onde as manifestações são mais freqüentes. Lembro de uma manifestação racista feita contra Prince Boateng, em um amistoso do Milan. O time italiano tinha três jogadores negros em campo, mas os insultos eram dirigidos somente ao atleta de Gana.
Ao tentar descaracterizar a atitude dos Peruanos, o ex-atleta Deco se mostra tolerante a esse tipo de manifestação. Ou então falou por puro desconhecimento do que seja racismo, intolerância e preconceito.
O fato de entender a ação da torcida local como parte de um processo de mostrar domínio ao adversário, não exime aos envolvidos uma reação de punição exemplar as atitudes que coloquem seres humanos como superiores a outros, seja qual for a sua pele, raça ou crença. O futebol como um esporte de forte participação popular no mundo inteiro, deve dar esse exemplo.
Deco demonstrou uma visão míope sobre o assunto. Entendendo a miopia como a dificuldade de enxergar a longa distância, Deco conseguiu somente enxergar o fato que ocorreu no campo de jogo, tratando-o como provocação e não enxergando o que está mais a frente disso, traços de intolerância que queremos nos livrar no futebol.
Marcelo Alves Bellotti
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