Esta é uma grande discussão no futebol atual, onde convivemos com clubes tradicionais, que movimentam cidades e torcedores, paixões e intolerâncias de todas as maneiras.
A discussão vem a partir da Lei 9615 de 24 de Março de 1998, conhecida como "Lei Pelé", que foi criada com o intuito de dar mais transparência e profissionalismo ao esporte nacional. Ela previa no seu nascimento o fim do passe nos clubes de futebol no Brasil, o direito do consumidor, disciplinou a prestação de contas por dirigentes de clubes e a criação de Ligas. Determinou ainda a profissionalização, com a obrigatoriedade da transformação dos clubes em empresas.
Porém essa Lei foi bastante modificada, até podermos chegar a situação atual, definida pela Lei 10.672 de 15 de maio de 2003, que estabelece base para tal mudança. Atualmente, o artigo 27 da Lei Pelé diz: "É facultado às entidades desportivas profissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil."
Até hoje se discute sobre a organização dos clubes de futebol, tentando enquadrá-la como uma atividade comercial ao invés de sociedades civis. A diferença básica está na origem da formação desses grupos.
Uma sociedade civil nasce de uma organização popular, voluntária em torno de interesses, propósitos e valores. Tem uma participação popular e política muito grande. Em geral ela auxilia na formação de um conceito de cidadania e de participação política da população. Sociedades civis são frequentemente povoadas por organizações como instituições de caridade, organizações não-governamentais de desenvolvimento, grupos comunitários, organizações femininas, organizações religiosas, associações profissionais, sindicatos, grupos de auto-ajuda, movimentos sociais, associações comerciais, coalizões e grupos ativistas.
Tudo isso é conceito, hoje em dia em geral isso tudo foi desvirtuado com as relações milionárias que em geral essas associações tem entre si ou com organismos estatais, participação política etc., mas servem como ilustração das diferenças das duas e podem auxiliar no entendimento das duas organizações e de seus objetivos.
Em geral, as sociedades civis são organizações sem fins lucrativos, destinados a promover atividades sociais, educacionais e esportivas, ligadas ao futebol profissional e amador. Já as sociedades comerciais são empresas legalmente constituídas, que fecham balanços contábeis anualmente e existem com objetivos comerciais claros. Em geral, seus objetivos estão na formação de atletas.
Lembro que na época da discussão sobre a Lei Pelé, veio uma questão que persiste até hoje, de que a transformação dos clubes em sociedades comerciais traria a obrigação dos seus dirigentes de serem responsáveis com relação aos gastos dos clubes, sob pena de serem responderem com seus bens pessoais para pagamento das obrigações da empresa. Ora, na organização das sociedades no Brasil, essa responsabilidade fica restrita as Sociedades em nome coletivo, em Comandita ou Sociedades em Conta de Participação, que representam uma parte muito pequena das organizações comerciais. Em geral e também no caso dos clubes de futebol, as empresas são formadas a partir de Sociedades por cotas de responsabilidade limitada (LTDA), que limitam a responsabilidade de seus dos sócios à integralização de sua cota de capital, não podendo, uma vez integralizado o capital social, o patrimônio pessoal do sócio responder pelas dívidas sociais;
Em geral então temos de um lado, clubes que contam com a mobilização de grandes massas como Palmeiras, Corinthians, etc, que são sociedades civis... Clubes do interior, que nasceram de uma vontade popular ou clubes que nasceram da organização de trabalhadores locais, especialmente ligados a formação da cidade, como no caso da ferrovia. Temos também casos de empresas formadas com participação política de seus prefeitos, visando a participação da população da cidade e o crescimento e desenvolvimento dos conceitos de cidadania e de participação popular de forma política.
Essa movimentação para transformação do clube em empresa e a criação de vários clubes comerciais veio após a regulamentação da Lei Pelé e está intimamente ligada ao objetivo do clube e na capacidade que essas empresas tem de captar investimentos. São times em geral novos e bem sucedidos, mas que apesar de terem títulos e acessos, não tem apelo popular.
Já os clubes provenientes de sociedades civís por não terem fins lucrativos são geralmente aqueles que atrasam salários, tem dezenas de ações de ex jogadores, mas que conseguem atrair umn público fanático em seus jogos.
Clubes apoiados por prefeituras também conseguem uma boa mobilização, mas estarão sempre condicionados ao apoio municipal, subsidiando ingressos para mobilizar seus torcedores. A partir do momento que a prefeitura tira o apoio... a tendência é do time sucumbir.
Escrevi essa reflexão para tentar entender e explicar a razão da existência de clubes sem torcida e sem tradição, que tanto chamam a atenção por sua competência administrativa mas que não conseguem apoio popular contrastado com o mito que em geral a crônica tenta passar dizendo que quando um clube vira empresa, os dirigentes pagarão as dívidas do clube do próprio bolso e com isso serão mais responsáveis.
Nem uma coisa, nem outra... na realidade a Lei hoje facilita a organização de grupos seja para formação de clubes ou a formação de empresas. O futebol no Brasil continua movimentando milhões e segue sendo uma categoria profissional sem maiores regras, o que facilita grupos com maior poder de investimento. Temos empresas ricas, federações ricas, empresários ricos, jogadores ricos contrastando com clubes pobres, campeonatos pobres e futebol... Pobre Futebol!!!
Marcelo Alves Bellotti
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